O Governo da Frelimo contra o qual a Renamo combateu – de armas em punho – de Maio de 1976 a Outubro de 1992 tinha inspiração Marxista- eninista e visava a modernização do Estado em choque frontal contra tudo aquilo que julgava valores tradicionais-feudais.
De certa maneira – e ainda que se aceite a intenção “desestabilizadora” das forças externas que apoiaram a Renamo na sua origem, a Rodésia do Sul de Ian Smith, primeiro, e a África do Sul, do Apartheid, depois – é facto que a Renamo estruturou a sua moldura político-ideológica com base neste perfil do Governo da Frelimo: assumindo-se como potencial veiculadora da tradição, cultura e religiosidade da maioria da população do país, sobretudo do mundo rural.
Em contraste com a democracia popular e o socialismo científico do Bloco do Leste, caros ao Governo da Frelimo de então, a Renamo apresentava-se, assim, como a esperança do capitalismo e da democracia liberal de tipo Ocidental. Contudo, num curto período de tempo que decorreu de Julho de 1989 a Agosto de 1991 – corres-pondente à realização do seu 5º e 6º Congressos, respectivamente – o Governo da Frelimo alterou, dramaticamente, as suas bases político-filosóficas: abandonou, ostensivamente, o Marxismo-Leninismo – substituindo-o pelo Socialismo Democrático – e abraçou, para todos os efeitos, o capitalismo como forma de organização social e económica do País. Neste mesmo período, o Governo da Frelimo avançou decididamente para a adopção do multipartidarismo e de todo o conjunto de reformas políticas conducentes para o estabelecimento de um Estado de Direito Democrático no país incluindo aqui, de modo especial, a liberdade religiosa.
É importante realçar que a caminho do seu 5º Congresso – Julho de 1989 – quando se desenvolviam os primeiros passos para as negociações directas entre o Governo da Frelimo e a Renamo – a Frelimo ensaiou a sua transformação em “Partido de Todo o Povo” abrindo espaço para acolher no seu seio as forças da Renamo. Desta maneira, as negociações de Roma atingem o seu apogeu numa altura em que, objectivamente, o Governo da Frelimo já se havia apropriado de todos os elementos constitutivos do discurso político-ideológico da Renamo: o espectro do comunismo tinha sido substituido por uma ordem político pluralista, a economia centrada nas forças do mercado tinha substituído a lógica da planificação socialista da economia, a hostilidade à práticas religiosas tinha sido substiuída não só pela liberdade religiosa, mas igualmente pela colaboração Governo-Igreja na busca dos caminhos da Paz para o País e, decisivamente, nos planos regional e internacional o Governo da Frelimo estava de mãos dadas com os países do Bloco Ocidental e respectivas instituições multilaterais de financiamento facto, igualmente, facilitado pela queda do Muro de Berlim e pela derrocada do Regime do Apartheid na África do Sul. Por outras palavras: com a efectivação do Programa de Reabilitação Económica (1987), com adopção da nova Constituição Política Pluralista do País (1990), com a assinatura do Acordo Geral de Paz (1992) e com a realização das primeiras eleições gerais multipartidárias do País (1994) a Renamo tinha concretizado todos os objectivos que nortearam a sua luta.
O Governo da Frelimo tinha abdicado de todos os seus compromissos político-ideológicos adoptados e formalizados desde o seu 3º Congresso de 1977 e abraçado a mesma causa – no sentido do discurso político-filosófico – da Renamo. Logo à seguir, em 1995, o Presidente Joaquim Chissano anunciou a vontade expressa do Governo da Frelimo de reconhecer e acomodar na estrutura governativa do País as autoridades tradicionais eliminando, desse jeito, o último elo de sustentação filosófico-política da Renamo junto do mundo rural no País. O que, ao nível do discurso, acabava com a distinção entre a Frelimo e a Renamo dando razão, quiçá, à pretensão anterior da Frelimo de inaugurar um Partido que pudesse integrar tanto a Frelimo, como a Renamo. Apesar da forte animosidade existente entre a Frelimo e a Renamo – incluindo suas lógicas hegemónicas e mutuamente excludentes – o certo é que grande parte das exigências da Renamo durante a liderança de Afonso Dlhakama indicavam para uma vontade expressa de partilhar o exercício do poder com a Frelimo, dentro e fora dos parâmetros dos ditames eleitorais. A bi-partidarização das Forças de Defesa do País, a partidarização dos órgãos de direcção e administração dos processos eleitorais, a exigência de nomeação de governadores de província e membros dos Conselhos de Administração das empresas públicas do País, dentre outros, são indícios da pré-disposição manifesta pela Renamo de co-habitação política com a Frelimo. Enquanto esta, por seu turno, sempre laborou no sentido da desaparição definitiva da Renamo do cenário político nacional.
No fundo, a Frelimo nunca considerou a Renamo como um partido político legítimo no País, para além de um mero “agente de desestabiliza-ção” – criado e instigado por forças externas – com a qual a Frelimo foi obrigada a conversar e assumir o Acordo de Paz para evitar a escalada da destruição e da miséria no País durante os anos da guerra.